Na última quinta-feira, dia 03 de maio, o blog Acesso publicou matéria sobre a Declaração de São Paulo sobre Cultura e Sustentabilidade.
Hoje, dando prosseguimento ao debate, publicamos entrevista com o
gestor e pesquisador cultural Piatã Stoklos, sobre o tema da cultura
como um dos pilares para o desenvolvimento sustentável. Piatã é
coordenador de projetos culturais do Santander no Brasil, membro do Fórum Mundial U40 para promoção da Convenção da UNESCO sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais e colaborador do Observatório da Diversidade Cultural – MG.
Acesso – Como o tema da cultura passou a integrar o debate global sobre sustentabilidade?
Piatã Stoklos – O debate em prol de um
desenvolvimento global “sustentável” ganhou contornos mais definidos na
década de 70, quando percebeu-se que o modelo de crescimento adotado
pela maioria dos países, no contexto da industrialização, começou a
gerar riscos para a sustentabilidade do planeta. O foco, que antes
estava unicamente na ampliação da produção de produtos e serviços,
passou a ter que levar em conta também o impacto sobre o meio ambiente e
a qualidade de vida das futuras gerações.
O tema da cultura como o quarto pilar surge mais expressivamente durante a Década da Cultura e Desenvolvimento da ONU, que gerou o relatório Nossa Diversidade Criadora, com ênfase na necessidade dos países considerarem a diversidade cultural em suas estratégias de desenvolvimento econômico.
Acesso – É nesse período que têm início os movimentos relacionados à proteção e promoção da diversidade cultural?
P. S. – Os movimentos em prol da proteção e promoção da diversidade cultural [nome “oficializado” na Declaração da UNESCO sobre a Diversidade das Expressões Culturais,
em 2001] tiveram origem mais fortemente no que se chamou de luta pela
“exceção cultural”, liderada pela França na década de 90 e, na esteira
do movimento sobre o desenvolvimento sustentável ambiental, dizia que “a
diversidade cultural é tão importante para a humanidade, como a
biodiversidade é para a natureza”.
Acesso – Por que a cultura deve ser considerada como o quarto pilar do desenvolvimento sustentável?
P. S. – O Relatório de 2004 do PNUD [órgão responsável pela avaliação do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH,
que na época já vinha sofrendo críticas em relação à efetividade do
modelo de medição, que leva em conta somente aspectos de saúde, educação
e econômicos], chamado Liberdade cultural em um mundo diversificado,
enfatiza a importância de atentar para os valores pessoais e coletivos
ao pensar estratégias de desenvolvimento para os países. O relatório
ressalta que o mundo globalizado gerou a oportunidade de conhecimento
das outras culturas e de escolha sobre que caminhos seguir (desde
religião até modos de vida em geral), e que é necessário apoiarmos a
liberdade de escolha e os estilos de vida.
Acesso – O relatório representa uma quebra de paradigma? Que mudanças podemos apontar a partir desse marco?
P. S. – A grande mudança desta visão é que o
ser humano passa a ser olhado de maneira integral e não somente como um
consumidor. Ou seja, ele passa a ser visto como um ser que necessita
“viver” e não somente “sobreviver” e que, inclusive a sua própria
sobrevivência, a sua saúde, necessita de uma realização não somente
material, mas também subjetiva ou, como alguns preferem dizer,
espiritual. A importância de colocarmos a cultura como um quarto pilar
do desenvolvimento sustentável é que toda a diversidade cultural, a
diversidade criativa, de valores e costumes, passa a ser mais um
elemento e, nesse caso, um elemento que pode ser altamente criativo (por
se tratar de diferentes modelos de vida), que contribua para um
desenvolvimento melhor para todos e para cada um de nós, com
fortalecimento econômico, proteção ambiental e igualdade de
oportunidades.
Acesso – O investimento em economia criativa, mais especificamente, seria um caminho viável para a sustentabilidade?
P. S. – Sem dúvida a diversidade cultural
apresenta diferentes modelos de desenvolvimento econômico, o que
significa diferentes sistemas e formas de realizarmos trocas de insumos e
produtos. Ou seja, traz novos olhares e questionamentos para a própria
economia. A Economia Criativa, termo novo que está ganhando contornos de
entendimento aos poucos, principalmente no Brasil, pode contribuir para
a sustentabilidade econômica e ambiental pelo fato de valorizar a
criatividade e a inovação, formas diferentes de se encarar os problemas e
de promover desenvolvimento econômico ao País, assim como formas
alternativas de se proteger o meio ambiente.
Acesso – Existem diversas definições para o termo Economia Criativa. Como você percebe esse conceito?
P. S. – Usualmente, entende-se que a Economia
Criativa é um conjunto de indústrias que engloba os setores da
informação, da tecnologia, culturais e artísticos, ou seja, aquelas que
têm como base a propriedade intelectual, os direitos autorais. Isso
significa que são indústrias com intensidade criatividade e capacidade
de inovação, já que são destas inovações que elas sobrevivem e se
desenvolvem economicamente. É por essa riqueza criativa, aplicada de
maneira a contribuir com o desenvolvimento econômico, social e
ambiental, que a economia criativa pode ser um campo de extrema
contribuição para os desafios impostos pela sustentabilidade planetária.
Acesso – Nesse contexto, qual a importância da assinatura da Declaração de São Paulo sobre Cultura e Sustentabilidade, no último dia 14, por representantes de diversos países sul-americanos, entre eles o Brasil?
P. S. – Os fóruns internacionais, como a Rio+20,
sem dúvida alguma são instâncias que devemos aproveitar para debater
questões relevantes para o melhor desenvolvimento de nossa sociedade. A
Declaração, uma articulação de representantes federais de cultura de
países sul-americanos, que rastreia uma ampla diversidade de temas
concernentes à cultura como quarto pilar do desenvolvimento, vem em bom
momento para afirmar e fomentar o compromisso das nações em incluírem o
tema da cultura nas estratégias de desenvolvimento dos países e para
reforçar a integração regional, facilitando a ação concertada entre os
países.
O Brasil, um dos principais entusiastas da Declaração e da Convenção da UNESCO sobre a Diversidade Cultural, inovou ao criar a Secretaria da Diversidade Cultural no Ministério da Cultura, em 2003 e, em 2011, a de Economia Criativa.
Puxar o movimento para inserir a cultura como quarto pilar do
desenvolvimento sustentável, tão em sintonia com o tema da economia
criativa, é mais uma ação que “combina” com um Brasil que pode liderar
movimentos inovadores e, principalmente, que valorizem a cultura como um
importante aspecto sobre o modo de construirmos nossa sociedade.
Acesso – E que características deveríamos ter nas estratégias
ou políticas públicas para promover a cultura como elemento do
desenvolvimento sustentável?
P. S. – As políticas públicas podem ser
desenvolvidas por todos os setores da nossa sociedade, seja pelo
governo, pelas instituições privadas ou pelas organizações
não-governamentais. É necessário que haja um intercâmbio cada vez maior
entre os diferentes setores, para que insiram em seus modelos de
governança critérios e estratégias com valores positivos para a
sociedade de hoje, sem onerar a de amanhã e, preferencialmente, tornando
o futuro cada vez melhor para todos nós. Valores como justiça social
(acesso e qualidade de vida para todos), proteção ambiental (diversidade
de vida, recursos naturais, saúde ecológica) e desenvolvimento
econômico (otimização dos recursos disponíveis e distribuição
igualitária) respondem às necessidades básicas de sobrevivência humana,
porém não tratam da dimensão simbólica, dos valores e história de cada
cultura. Colocar a cultura no centro das discussões sobre
desenvolvimento sustentável significa dar importância estratégia para os
valores das diferentes culturas, a diversidade de olhares sobre o
“futuro”, sobre o significado de “desenvolvimento” e sobre modelos de
sociedade que queremos construir, hoje.
Acesso – Da mesma forma, o conceito de sustentabilidade também seria importante para preservar a diversidade cultural?
P. S. – A diversidade das expressões culturais
está intimamente relacionada à diversidade do meio ambiente. As
culturas crescem e se desenvolvem a partir de questões climáticas,
históricas, geográficas e a partir de movimentos econômicos e situações
sociais em geral. O conceito de sustentabilidade é uma ideia em
discussão; precisamos aperfeiçoar, entender melhor e, principalmente,
colocar em prática. O que é em si a “sustentabilidade”? Quais os seus
limites? Teríamos como desenhar um desenvolvimento idealmente
sustentável? Quais os impactos dessa visão para o modelo econômico que
temos hoje? O que temos que ajustar em nossa cultura, em nosso jeito de
ser e fazer as coisas?
Acesso – Por que é tão importante promover e proteger a diversidade cultural?
P. S. – Cada cultura entende o desenvolvimento
de uma forma. A diversidade cultural, mais uma vez com sua diversidade
criativa, pode oferecer soluções e práticas ainda não realizadas.
Proteger e promover a diversidade das expressões culturais, ou seja,
“sustentá-las”, é garantir a riqueza simbólica da nossa história e dos
nossos povos, preservando ideias e gerando inspiração na busca por um
mundo melhor para vivermos.
Fonte: Blog Acesso
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