18 de mai. de 2012

Cultura e sustentabilidade na Rio+20

Na última quinta-feira, dia 03 de maio, o blog Acesso publicou matéria sobre a Declaração de São Paulo sobre Cultura e Sustentabilidade. Hoje, dando prosseguimento ao debate, publicamos entrevista com o gestor e pesquisador cultural Piatã Stoklos, sobre o tema da cultura como um dos pilares para o desenvolvimento sustentável. Piatã é coordenador de projetos culturais do Santander no Brasil, membro do Fórum Mundial U40 para promoção da Convenção da UNESCO sobre a Proteção e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais e colaborador do Observatório da Diversidade Cultural – MG.

 

Acesso – Como o tema da cultura passou a integrar o debate global sobre sustentabilidade?
Piatã Stoklos – O debate em prol de um desenvolvimento global “sustentável” ganhou contornos mais definidos na década de 70, quando percebeu-se que o modelo de crescimento adotado pela maioria dos países, no contexto da industrialização, começou a gerar riscos para a sustentabilidade do planeta. O foco, que antes estava unicamente na ampliação da produção de produtos e serviços, passou a ter que levar em conta também o impacto sobre o meio ambiente e a qualidade de vida das futuras gerações.
O tema da cultura como o quarto pilar surge mais expressivamente durante a Década da Cultura e Desenvolvimento da ONU, que gerou o relatório Nossa Diversidade Criadora, com ênfase na necessidade dos países considerarem a diversidade cultural em suas estratégias de desenvolvimento econômico.
Acesso – É nesse período que têm início os movimentos relacionados à proteção e promoção da diversidade cultural?
P. S. – Os movimentos em prol da proteção e promoção da diversidade cultural [nome “oficializado” na Declaração da UNESCO sobre a Diversidade das Expressões Culturais, em 2001] tiveram origem mais fortemente no que se chamou de luta pela “exceção cultural”, liderada pela França na década de 90 e, na esteira do movimento sobre o desenvolvimento sustentável ambiental, dizia que “a diversidade cultural é tão importante para a humanidade, como a biodiversidade é para a natureza”.
Acesso – Por que a cultura deve ser considerada como o quarto pilar do desenvolvimento sustentável?
P. S. – O Relatório de 2004 do PNUD [órgão responsável pela avaliação do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH, que na época já vinha sofrendo críticas em relação à efetividade do modelo de medição, que leva em conta somente aspectos de saúde, educação e econômicos], chamado Liberdade cultural em um mundo diversificado, enfatiza a importância de atentar para os valores pessoais e coletivos ao pensar estratégias de desenvolvimento para os países. O relatório ressalta que o mundo globalizado gerou a oportunidade de conhecimento das outras culturas e de escolha sobre que caminhos seguir (desde religião até modos de vida em geral), e que é necessário apoiarmos a liberdade de escolha e os estilos de vida.
Acesso – O relatório representa uma quebra de paradigma? Que mudanças podemos apontar a partir desse marco?
P. S. – A grande mudança desta visão é que o ser humano passa a ser olhado de maneira integral e não somente como um consumidor. Ou seja, ele passa a ser visto como um ser que necessita “viver” e não somente “sobreviver” e que, inclusive a sua própria sobrevivência, a sua saúde, necessita de uma realização não somente material, mas também subjetiva ou, como alguns preferem dizer, espiritual. A importância de colocarmos a cultura como um quarto pilar do desenvolvimento sustentável é que toda a diversidade cultural, a diversidade criativa, de valores e costumes, passa a ser mais um elemento e, nesse caso, um elemento que pode ser altamente criativo (por se tratar de diferentes modelos de vida), que contribua para um desenvolvimento melhor para todos e para cada um de nós, com fortalecimento econômico, proteção ambiental e igualdade de oportunidades.
Acesso – O investimento em economia criativa, mais especificamente, seria um caminho viável para a sustentabilidade?
P. S. – Sem dúvida a diversidade cultural apresenta diferentes modelos de desenvolvimento econômico, o que significa diferentes sistemas e formas de realizarmos trocas de insumos e produtos. Ou seja, traz novos olhares e questionamentos para a própria economia. A Economia Criativa, termo novo que está ganhando contornos de entendimento aos poucos, principalmente no Brasil, pode contribuir para a sustentabilidade econômica e ambiental pelo fato de valorizar a criatividade e a inovação, formas diferentes de se encarar os problemas e de promover desenvolvimento econômico ao País, assim como formas alternativas de se proteger o meio ambiente.
Acesso – Existem diversas definições para o termo Economia Criativa. Como você percebe esse conceito?
P. S. – Usualmente, entende-se que a Economia Criativa é um conjunto de indústrias que engloba os setores da informação, da tecnologia, culturais e artísticos, ou seja, aquelas que têm como base a propriedade intelectual, os direitos autorais. Isso significa que são indústrias com intensidade criatividade e capacidade de inovação, já que são destas inovações que elas sobrevivem e se desenvolvem economicamente. É por essa riqueza criativa, aplicada de maneira a contribuir com o desenvolvimento econômico, social e ambiental, que a economia criativa pode ser um campo de extrema contribuição para os desafios impostos pela sustentabilidade planetária.
Acesso – Nesse contexto, qual a importância da assinatura da Declaração de São Paulo sobre Cultura e Sustentabilidade, no último dia 14, por representantes de diversos países sul-americanos, entre eles o Brasil?
P. S. – Os fóruns internacionais, como a Rio+20, sem dúvida alguma são instâncias que devemos aproveitar para debater questões relevantes para o melhor desenvolvimento de nossa sociedade. A Declaração, uma articulação de representantes federais de cultura de países sul-americanos, que rastreia uma ampla diversidade de temas concernentes à cultura como quarto pilar do desenvolvimento, vem em bom momento para afirmar e fomentar o compromisso das nações em incluírem o tema da cultura nas estratégias de desenvolvimento dos países e para reforçar a integração regional, facilitando a ação concertada entre os países.
O Brasil, um dos principais entusiastas da Declaração e da Convenção da UNESCO sobre a Diversidade Cultural, inovou ao criar a Secretaria da Diversidade Cultural no Ministério da Cultura, em 2003 e, em 2011, a de Economia Criativa. Puxar o movimento para inserir a cultura como quarto pilar do desenvolvimento sustentável, tão em sintonia com o tema da economia criativa, é mais uma ação que “combina” com um Brasil que pode liderar movimentos inovadores e, principalmente, que valorizem a cultura como um importante aspecto sobre o modo de construirmos nossa sociedade.
Acesso – E que características deveríamos ter nas estratégias ou políticas públicas para promover a cultura como elemento do desenvolvimento sustentável?
P. S. – As políticas públicas podem ser desenvolvidas por todos os setores da nossa sociedade, seja pelo governo, pelas instituições privadas ou pelas organizações não-governamentais. É necessário que haja um intercâmbio cada vez maior entre os diferentes setores, para que insiram em seus modelos de governança critérios e estratégias com valores positivos para a sociedade de hoje, sem onerar a de amanhã e, preferencialmente, tornando o futuro cada vez melhor para todos nós. Valores como justiça social (acesso e qualidade de vida para todos), proteção ambiental (diversidade de vida, recursos naturais, saúde ecológica) e desenvolvimento econômico (otimização dos recursos disponíveis e distribuição igualitária) respondem às necessidades básicas de sobrevivência humana, porém não tratam da dimensão simbólica, dos valores e história de cada cultura. Colocar a cultura no centro das discussões sobre desenvolvimento sustentável significa dar importância estratégia para os valores das diferentes culturas, a diversidade de olhares sobre o “futuro”, sobre o significado de “desenvolvimento” e sobre modelos de sociedade que queremos construir, hoje.
Acesso – Da mesma forma, o conceito de sustentabilidade também seria importante para preservar a diversidade cultural?
P. S. – A diversidade das expressões culturais está intimamente relacionada à diversidade do meio ambiente. As culturas crescem e se desenvolvem a partir de questões climáticas, históricas, geográficas e a partir de movimentos econômicos e situações sociais em geral. O conceito de sustentabilidade é uma ideia em discussão; precisamos aperfeiçoar, entender melhor e, principalmente, colocar em prática. O que é em si a “sustentabilidade”? Quais os seus limites? Teríamos como desenhar um desenvolvimento idealmente sustentável? Quais os impactos dessa visão para o modelo econômico que temos hoje? O que temos que ajustar em nossa cultura, em nosso jeito de ser e fazer as coisas?
Acesso – Por que é tão importante promover e proteger a diversidade cultural?
P. S. – Cada cultura entende o desenvolvimento de uma forma. A diversidade cultural, mais uma vez com sua diversidade criativa, pode oferecer soluções e práticas ainda não realizadas. Proteger e promover a diversidade das expressões culturais, ou seja, “sustentá-las”, é garantir a riqueza simbólica da nossa história e dos nossos povos, preservando ideias e gerando inspiração na busca por um mundo melhor para vivermos.

Fonte: Blog Acesso

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