26 de jun. de 2012

Sustentabilidade é mais que boa vontade

Em tempos de Rio+20, praticamente qualquer ação de boa vontade tem sido apresentada como sustentável, inclusive aquelas pontuais ou que geram reduções mínimas de impacto em processos, nos casos daquelas com foco em meio ambiente. Pequenos passos são importantes, mas insuficientes para alterar o modelo de desenvolvimento que tem levado os recursos naturais a se extinguirem cada vez mais rapidamente em prol do crescimento econômico.

Malu Nunes é engenheira florestal, mestre em Conservação da Natureza e diretora executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza (Foto: Divulgação/José D'Ambrósio)

De acordo com relatório deste ano do Programa Internacional de Dimensões Humanas da Universidade das Nações Unidas (ONU), entre 1990 e 2008, o crescimento brasileiro foi menor que a degradação do capital natural (soma de todos os recursos naturais, de florestas a combustíveis fósseis). Foi constatado que neste período a riqueza per capita no Brasil aumentou 34%. Em contrapartida, o capital natural caiu 46%, demonstrando que a economia do país não tem crescido de forma sustentável.
Outro relatório da ONU, de 2010, conhecido pela sigla em inglês TEEB – A Economia de Ecossistemas e da Biodiversidade – calculou o custo dos impactos ambientais das 3 mil maiores empresas do mundo e chegou à cifra de 2 e 4,5 trilhões de dólares. Se as externalidades tivessem sido colocadas no balanço daquelas empresas, muitas estariam em situação deficitária.  

Não é mais viável insistir nesse modelo em que o ator privado fica com o lucro de uma atividade predatória ou degradante e o prejuízo ambiental é distribuído para toda a sociedade. O caminho em direção à sustentabilidade passa pela mudança desse modus operandi e pela forma como o capital natural é encarado. Requer fundamentalmente um novo padrão contábil, na qual a conservação ambiental seja incluída nas contas dos governos e também faça parte dos negócios das empresas.
Uma iniciativa relevante neste sentido, lançada na Rio+20, é a Declaração do Capital Natural (NCD – Natural Capital Declaration), na qual CEOs de instituições financeiras assumem o compromisso de considerar o capital natural no planejamento e nas decisões sobre seus produtos e serviços financeiros. O documento reforça uma concepção que é essencial para a sustentabilidade: aquele que degrada o meio ambiente tem que pagar pela recuperação, pelos danos que causa. Também é uma porta aberta para o fortalecimento de estratégias de conservação da natureza que valorizam quem protege a natureza, como o pagamento por serviços ambientais (PSA).

A vantagem e o diferencial do instrumento econômico de PSA em relação a outras ferramentas de conservação é que ele possibilita colocar os provedores de um serviço ambiental – como um pequeno agricultor – à frente do processo de conservação. Um exemplo de iniciativa neste sentido é o Projeto Oásis, que teve sua expansão nacional lançada durante a Rio+20, e que premia financeiramente proprietários de terras que conservam suas áreas naturais e de mananciais, e que adotam práticas conservacionistas de uso do solo. Como toda a sociedade se beneficia dos serviços ambientais gerados pela conservação de áreas naturais nessas propriedades, nada mais justo do que os proprietários serem reconhecidos por isso.

Essas ações ainda voluntárias de PSA e a Declaração do Capital Natural terão muito mais efetividade a partir do momento em que forem regulamentadas, tornarem-se política pública e ganharem escala nacional e mundial. Neste contexto, destaca-se a importância de os governos atuarem com marcos regulatórios para fortalecer as iniciativas exemplares, incentivando todos os setores da sociedade a seguirem um caminho em respeito ao meio ambiente.

Sustentabilidade é, portanto, mais que o conjunto de ações de boa vontade voluntárias e pontuais. Exige mudança no modelo de desenvolvimento, inserção do capital natural das contas públicas e privadas, regulamentação e disseminação das melhores práticas. Requer também um processo contínuo, planejado e monitorado a partir de metas e indicadores. Entretanto, isso tudo somente será conquistado quando esse tema for encarado com a mesma seriedade com que se tratam os resultados financeiros.

Os governos, as empresas e as próprias organizações da sociedade civil necessitam urgentemente parar de justificar e apresentar qualquer ação menos impactante do que o usual como avanço em direção à sustentabilidade. É preciso lembrar que o foco urgente é preservar o ambiente, seus processos ecológicos, serviços ambientais e biodiversidade, pois eles são a base da economia e fundamentais para nosso sustento, qualidade de vida e crescimento.

Fonte: Revista Época

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