Ao cruzar o Oceano Atlântico, do Rio de Janeiro à ilha de Ascensão, durante 13 dias a bordo do veleiro Sea Dragon, tínhamos a missão de catalogar todo lixo avistado à superfície das ondas azuis. Além de recolher as mais variadas partículas de plástico – boiando quase imperceptíveis, porém impactantes – capturamos dois ícones da poluição marinha: um emaranhado de rede de pesca feita de nylon e um pedaço de caixa de isopor.
É exatamente lá no mar, assim como nos rios e demais corpos d’água, que o isopor se transforma em vilão. Quimicamente, é um material composto apenas por carbono e hidrogênio,
dois elementos muitíssimo comuns, encontrados na maioria dos
organismos, do nosso organismo inclusive. O que faz toda a diferença é
como as moléculas de carbono e hidrogênio são artificialmente ligadas, de uma forma extremamente estável e não degradável.
Mesmo quebrado ou desfeito em pedacinhos, o isopor continua boiando sem se degradar. A estimativa mais usada aponta uma persistência no ambiente de 150 anos, mas tenho minhas dúvidas se é mesmo “só” isso. Para golfinhos, peixes, tartarugas
e outros animais, aquelas bolinhas flutuantes parecem apetitosas. São
ingeridas sem cerimônia, mas não são digeridas. Então ficam lá, no
sistema digestivo, ocupando cada vez mais espaço, junto com outros
plásticos, até faltar lugar para a comida e o animal morrer de inanição. Ou, se o pedaço é maiorzinho, capaz de parar logo no meio do caminho e matar por asfixia. Em poucas e boas palavras, o isopor não deveria parar no mar, nunca.
Mas para manter uma cervejinha gelada, ou garantir o sanduíche
quentinho, ou conservar o suco do bebê fresquinho, ou proteger
medicamentos do calor excessivo, ou embalar produtos frágeis e centenas
de outras utilidades mais, o isopor é fantástico. É por isso mesmo que
precisamos de um substituto mais ecológico para ele.
Um sério candidato na categoria isolante térmico surgiu em uma feira de Ciências de Ariquemes, em Rondônia, e começa a ganhar estrada, com a exposição na Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace), realizada na Universidade de São Paulo (USP), nesta semana. Trata-se de uma caixa térmica feita de fibra de buriti e calafetada com a seiva da própria palmeira, cujo nome científico é Mauritia flexuosa.
O buriti, nunca é demais relembrar, é a palmeira-símbolo das veredas
dos nossos sertões, sempre com o “pé” na água. É uma espécie abundante e
muito produtiva, cujos frutos têm alto teor de vitamina A e são aproveitados em doces e merendas escolares.
Há 4 anos, o estudante Gustavo de Oliveira Bertão, então com 14 anos, fez uma caixa de fibra de buriti como projeto de Artes, na escola. Ele se inspirou nas embalagens artesanais
tradicionais, usadas para conservar o doce de buriti na região, mas o
formato de sua caixa assemelhava-se ao de um recipiente de isopor. Os
colegas começaram a brincar, perguntando se ele não ia colocar gelo.
Curioso, ele resolveu testar e observou que o gelo se conservava por um
bom tempo.
Já no curso técnico agropecuário de nível médio do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Rondônia (IFRO), Gustavo (18 anos) montou um grupo de trabalho com Wanderson Novais Pereira (17 anos) e Lucas Pedro Cipriani (16 anos), sob a orientação das professoras de Química, Márcia Bay, e Biologia, Márcia Mendes de Lima, e com o apoio do professor de Sociologia, Oniel Sampaio.
“Construímos um protótipo de caixa térmica de fibra de buriti, com
volume de 3 litros, usando o pecíolo da palmeira, que é a base da folha,
e fixando com varetas da folha em lugar de prego. Ainda
impermeabilizamos com a seiva do próprio buriti, quer dizer, toda caixa é
feita exclusivamente de buriti e sem derrubar, sem prejudicar a
palmeira, só retirando a folha que já está para cair”, resume Wanderson.
“Então fizemos quatro testes com substâncias quentes
e frias, durante duas horas”, prossegue Gustavo. O desempenho da caixa
térmica foi comparado ao de uma caixa de isopor de mesmo tamanho. Em
ambas as caixas foram colocados líquidos à mesma temperatura e o
monitoramento foi realizado por meio de termômetros introduzidos em
furos nas respectivas tampas, de modo a evitar a abertura das caixas e a
interferência do ambiente externo na temperatura interna. O desempenho
da caixa de buriti na conservação do frio foi melhor do que o da caixa de isopor em um grau centígrado. E o desempenho na conservação do calor foi equivalente.
Agora o plano dos jovens é investir na fabricação de painéis
a partir da mesma fibra de buriti, só que triturada. Assim a produção
de caixas térmicas não fica restrita ao tamanho das placas que eles
conseguem tirar dos pecíolos das folhas, cujo comprimento varia de meio
metro a dois metros. O que falta, como sempre, é recurso para investir
no projeto, que até agora só contou mesmo com o empenho e boa vontade
dos três estudantes e seus professores. A expectativa é abrir algumas
portas ao divulgar a promissora ideia nas feiras de Ciências, razão pela
qual os três hoje (14/3/2013) estão em campanha, tentando obter uma boa
votação on line no júri popular da Febrace (http://febrace.org.br/virtual/bio/224).
Então, boa sorte com o projeto, Gustavo, Wanderson e Lucas! Torcemos
em nome dos golfinhos, dos peixes e das tartarugas para essa
substituição dar muito certo e aliviar rios e mares dos malditos
isopores perdidos!
Fonte: Liana John - Planeta Sustentável
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