De passagem pelo Brasil para participar do II Fórum Global de Sustentabilidade do festival de música SWU, o chefe do departamento de energia alternativa do Instituto Weizmann, de Israel, David Cahen, defende a eficiência energética e a integração de carros elétricos a usinas solares e eólicas
Por Clarice Couto
A calça cáqui e a camiseta preta estampada com o homem vitruviano de Leonardo Da Vinci dizem muito sobre David Cahen, o informal e premiado cientista que comanda o departamento de energia alternativa do Instituto Weizmann de Ciências, de Israel. Comunicativo e bem-humorado em sua curta apresentação no fórum de sustentabilidade do festival SWU, Cahen provocou a plateia após afirmar que, para alguns países, não há outra alternativa de energia limpa a não ser a nuclear. “Vocês aí devem estar pensando: este cara está louco, vamos lançar ovos e tomates nele”, disse em tom irônico. Cahen, porém, tem argumentos sólidos que sustentam esta e outras de suas opiniões. No Instituto Weizmann desde 1982, ele desenvolve estudos sobre novas células solares voltadas à geração de energia. Algumas de suas pesquisas, relacionadas a biocombustíveis, podem interessar a cientistas brasileiros. Confira mais detalhes na entrevista concedida pelo pesquisador a Época NEGÓCIOS.
Fala-se muito sobre gerar mais energia a partir de fontes renováveis, mas também é necessário elevar a eficiência no fornecimento de energia para diminuir as perdas. Os países estão investindo em redes inteligentes na proporção necessária?
A coisa mais importante a se fazer nos próximos dez anos é conservar a energia. Os governos deveriam pressionar as companhias a substituir plantas antigas de geração de energia por unidades mais eficientes. Hoje, as perdas de energia chegam a 70% de uma usina. Com maior eficiência, poderiam cair para algo entre 30% e 50%. É uma grande diferença. Nossos carros podem ser mais eficientes. Eletroeletrônicos podem ser mais eficientes. É muito mais barato economizar energia do que gerar energia. Deveria ser uma prioridade.
A demanda mundial por energia é constante mas, por outro lado, novos modelos de automóveis, como os híbridos ou elétricos, ambientalmente corretos, podem elevar a pressão por mais energia. Como resolver esta nova questão?
Uma empresa chamada Better Place, fundada por um ex-aluno meu, Shay Agassi, oferece um sistema de troca de baterias: em um caso de emergência, o motorista de um carro elétrico pode, ao invés de recarregá-la (o que exigiria tempo) trocá-la por uma nova. Agassi vem pesquisando os hábitos dos motoristas de carros híbridos e elétricos para oferecer a eles soluções personalizadas. Mas a parte mais interessante é a seguinte: digamos que em determinado local existam um milhão de carros elétricos e, na maior parte do tempo, eles não sejam utilizados. Eles poderiam, então, estar plugados na tomada a maior parte do tempo em que não estivessem rodando. Numa estimativa modesta, teríamos 500 mil carros conectados à rede elétrica em dado momento. Todas aquelas baterias poderiam ser utilizadas para armazenar energia de fonte eólica ou solar. Os carros elétricos proporcionariam armazenamento de energia gratuito. Para mim é uma brilhante ideia.
Esta tecnologia está sendo desenvolvida.
Em sua apresentação, você afirmou que países como Japão e China continuarão usando a energia nuclear por falta de opções de energia limpa na proporção necessária. Existem alternativas mais seguras para estes países, para o médio prazo?
Um dos principais problemas do processo atual é que ele gera resíduos radioativos. Existem, porém, outras opções, como a que utiliza o tório, um elemento de mais fácil acesso que o urânio. A Índia tem um programa de pesquisa deste sistema, muito mais seguro do que o baseado em urânio. Os resíduos do tório são, em sua maioria, nobres, e é muitíssimo mais difícil fazer uma bomba atômica a partir dele. O problema é que este processo é muito caro e muito já foi investido em usinas nucleares. Na Alemanha, a rede de eletricidade está conectada a de outros países, como Suécia e Itália. Se há falta de energia no país, eles podem obtê-la com alguns vizinhos. Para países gigantes, como China e Índia, ou isolados, como o Japão, isso é muito difícil. Não sou fã da energia nuclear, mas não consigo ver outra alternativa de energia para estes países, na escala necessária. Não neste momento.
Suas pesquisas estão relacionadas a novas células solares. O Brasil tem grande potencial para gerar energia a partir do sol, mas ainda não o faz como poderia...
Porque vocês têm muitas fontes limpas disponíveis. E todos afirmam que a energia solar é muito cara. Por que, não só no Brasil, como em outras partes do mundo, a energia solar não está tão disseminada? É preciso desenvolver tecnologias mais eficientes? Falta incentivo político? As duas coisas. Uma melhor eficiência ajudará. Contudo, no momento em que for cobrado o preço real das energias fósseis, a diferença de custo entre uma e outra será muito pequena. Um projeto de energia solar demora cerca de dois anos para se pagar. Uma usina termelétrica a carvão, seis semanas. Quem investe em um empreendimento de energia fóssil não arca com o prejuízo deixado para as próximas gerações. Nem com o fato de utilizar mercúrio no processo, mesmo nas plantas mais modernas.
Que outros fatores precisam ser contabilizados?
A forma de remuneração deveria ser diferente. Empresas que produzem energia limpa poderiam receber mais por estar retirando carbono da atmosfera, enquanto as geradoras de energia de fonte fóssil pagariam para poder emitir poluentes. Esta medida se transformaria em uma forma de subsídio para as energias eólica e solar. Há muitos países onde estas formas de energia já são competitivas. Em outros, reverter a situação é mais difícil. Qual é o lobby mais poderoso do mundo? O do petróleo.
Dentre as pesquisas desenvolvidas por sua equipe no Instituto Weizmann, há alguma tecnologia em desenvolvimento que pode vir a ser aplicada no Brasil?
Temos projetos sobre componentes básicos para biocombustíveis. Acredito que algumas descobertas seriam muito úteis para pesquisadores brasileiros que vêm estudando as próximas gerações de biocombustíveis. Na área solar, estamos trabalhando em pesquisas que estão 20 anos à frente do mercado. São novos materiais, não biológicos, considerados pouco aplicáveis em células solares e que são estruturados numa escala nanométrica. Creio que teremos algo aplicável à prática em 20 ou 25 anos. No Brasil, a área mais interessante é a de biocombustíveis. Seria interessante manter uma comunicação mais ampla com outros países, pelo fato de o país estar se tornando uma liderança econômica. Outras nações estão olhando para vocês.
Fonte: Época Negócios

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